sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pedaços V1

Um dia ele acordou.

Sexta-feira, faltando quinze minutos para as seis da tarde, sentado na sua cama, olhando o teto. Em casa depois de mais um dia em seu emprego perfeito, casa que finalmente conseguiu comprar. Quem olha de fora vê uma vida perfeita. E realmente é. Uma vida perfeita para uma casca como ele. Um ser vazio, oco, vácuo. Aconteceu sem que ele percebesse, não se sabe se mudou de um dia pro outro ou gradativamente. O fato é... um dia ele acordou.

Ele sempre ouviu e acreditou que cada pessoa tem a sua alma gêmea. Cada um é um pedaço quebrado de um todo, uma parte do par de pedaços que este foi dividido. E que as pessoas vagam pelo mundo em busca do pedaço que se encaixa em si para formar o todo perfeito. O casal perfeito. O amor perfeito. Muitas pessoas acreditam nisso, e todas vagam pelo mundo em busca de seu par. Ele era só mais um.

Como era de se esperar, para alguém que tem o emprego perfeito, a casa perfeita... a vida perfeita, ele achou. Lógico que ele achou, por que não deveria de ter achado. Tudo era perfeito, nada mais natural do que achar o par perfeito. Sua alma gêmea. O pedaço que se encaixa perfeitamente com ele. Duas partes do todo original que finalmente se reencontraram. Perfeito.

Acontece que a vida não é perfeita para todo mundo. De fato, a vida dificilmente é perfeita. As pessoas não passam pela vida sem atrito, sem confrontos, choques, encontros. A vida é dura, mais dura do que as pessoas. Como seria possível confrontá-la sem sair ferido, sem perder partes de si, lascas? As pessoas mudam, o tempo as faz mudar, as experiências as fazem mudar, a vida as fazem mudar, elas se fazem mudar a si mesmas.

O pedaço original já não tinha o mesmo formato. Como eles poderiam se encaixar perfeitamente? A vida foi dura com ela, mais do que ele podia imaginar. As lascas foram grandes. O poder que surgiu aos dois pedaços terem finalmente se unido... Aquela força maior que tudo, que faz o mundo parar ou girar mais rápido. Que torna tudo e todos insignificantes perto do que ele faz sentir. Esse poder não foi suficiente. Não foi suficiente para unir os pedaços que não se encaixavam mais perfeitamente. A vida perfeita continua. Até que, um dia, ele acordou. Acordou vazio. Oco.

Ele não tinha passado por tudo que ela passou. Não teve as desilusões que ela teve. Não sofreu tudo que ela sofreu. Não encarou tudo que ela encarou. Não perdeu as lascas que ela perdeu. Ele não entendia tudo que ela viveu, e nem teve tempo para aprender. Mas ainda assim, ela era o outro pedaço dele. Ela era a outra metade dele. Ela era tudo. Eles eram tudo. E quando ela se foi, o todo também se foi. E quado ele acordou, sentado na cama, ainda olhando o teto, uma hora mais tarde, percebeu que era só uma casca. A sua vida perfeita, seu trabalho perfeito, sozinho na sua casa perfeita, estava tudo lá. Tudo perfeito. Mas ele perdeu o seu mundo. Um dia ele acordou. E não tinha mais o seu mundo.

Ele, a casca, continuou sua vida perfeita.

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